Temperamentos: natureza, classificação e meios de os educar para a perfeição

Pe. Antonio Royo Marín[1]Extraído do livro Teología de la Perfección Cristiana. Tradução livre por Josimar Rodrigues no ano de 2018.

Tradução: Josimar S. Rodrigues Junior

I. Natureza dos Temperamentos

Há uma grande diversidade de opiniões entre os autores acerca da natureza e da classificação dos temperamentos. Nós recorreremos aqui à doutrina mais continuamente admitida, dando uma orientação eminentemente prática.

O temperamento é o conjunto de inclinações íntimas que brotam da constituição fisiológica de um homem. É a característica dinâmica de cada indivíduo, que resulta do predomínio fisiológico de um sistema orgânico, como o nervoso ou o sanguíneo, ou de um humor, como a bílis ou a linfa.

Como se vê por estas noções, o temperamento é algo inato no indivíduo. É a índole natural, ou seja, algo que a natureza nos impõe. Por isso mesmo, nunca desaparece inteiramente: “gênio e figura, até a sepultura”; mas uma educação oportuna e, sobretudo, a força sobrenatural da graça podem, se não transformá-lo totalmente, ao menos reduzir até o mínimo suas características, e ainda suprimir totalmente suas manifestações exteriores. Um exemplo, entre outros mil, é São Francisco de Sales, que passou à posteridade com o nome de “santo da doçura” apesar de seu temperamento fortemente colérico.

II. Classificação dos temperamentos e meios de educar

Depois de muitas tentativas e ensaios, os autores modernos voltaram à classificação dos antigos e clássicos, que parece ter sua origem com o próprio Hipócrates. Segundo a mesma, os temperamentos fundamentais são quatro: o sanguíneo, o melancólico, o colérico e o fleumático, conforme predomine nele a constituição fisiológica que seu próprio nome indica.

Recorreremos às características principais de cada um deles. Mas antes, é preciso advertir que nenhum dos temperamentos que vamos descrever existe “quimicamente puro” na realidade; geralmente se encontram mesclados e também apresentam graus muito diversos. Assim, os fleumáticos nunca são de todo fleumáticos, mas também se encontra neles muitos traços de sensibilidade; os sanguíneos têm, às vezes, qualidades próprias do melancólico etc. Trata-se unicamente de algo predominante na constituição fisiológica de um indivíduo. É mister ter muito em conta esta observação para evitar um juízo prematuro – ao descobrir, em seguida, traços próprios de um determinado temperamento –, que poderia estar muito longe da objetiva realidade.

Venhamos à descrição detalhada de cada um deles. Seguimos principalmente a Conrado Hock[2]Los Cuatro Temperamentos – Conrado Hock (Buenos Aires – 1940); e a Guibert[3]El Carácter – J. Guibert (Madrid – 1935);, dos que citamos, às vezes, suas próprias palavras.

1. Temperamento Sanguíneo

a) Características essenciais com relação aos estímulos

O sanguíneo reage fácil e fortemente por qualquer estímulo ou impressão. A reação normalmente é imediata e forte; mas a impressão ou duração normalmente é curta. A recordação de coisas passadas não provoca tão facilmente novas emoções.

b) Boas qualidades

O sanguíneo é afável e alegre, simpático e complacente ante as desgraças do próximo, dócil e submisso ante seus superiores, sincero e espontâneo (às vezes até à inconveniência). É verdade que, ante a injúria, às vezes reage violentamente e prorrompe em expressões ofensivas; mas esquece  tudo rapidamente, sem guardar rancor de ninguém. Desconhece em absoluto a teimosia e a obstinação. Sacrifica-se com desinteresse. Seu entusiasmo é contagioso e arrebatador; seu bom coração cativa e enamora, exercitando uma espécie de sedução em seu entorno.

Normalmente possui uma concepção serena da vida e é fundamentalmente otimista. Não lhe atemorizam as dificuldades, confiando sempre no bom êxito. Surpreende-lhe muito que os demais se irritem ante uma conversa pouco agradável, que lhe parecia a coisa mais natural e simpática do mundo. Tem um grande sentido prático da vida, e é mais inclinado a idealizar que criticar.

Dotado de uma exuberante riqueza afetiva, é rápido em se abrir à amizade, entregando-se a ela com ardor, e às vezes, apaixonadamente.

Sua inteligência é viva, rápida, assimila facilmente, mas sem muita profundidade. Dotado de uma feliz memória e de uma ardente imaginação, triunfa facilmente na arte, na poesia e na oratória, embora elas não atinjam frequentemente a estatura dos eruditos ou dos estudiosos. Os sanguíneos seriam muito frequentemente espíritos superiores se possuíssem tanta profundidade como possuem a sutileza, tanta tenacidade no trabalho quanto possuem facilidade em novas ideias e projetos.

c) Más qualidades

Porém, ao lado destas boas qualidades, o temperamento sanguíneo apresenta sérios inconvenientes.

Seus principais defeitos são a superficialidade, a inconstância e a sensualidade. A primeira se deve principalmente à rapidez de suas ideias e projetos. Enquanto parece ter compreendido até mesmo o problema mais difícil que lhe aparece, na verdade, percebeu apenas de maneira superficial e incompleta. Daí procedem juízos apressados, ligeiros, frequentemente inexatos, quando não inteiramente falsos. É mais amigo da amplitude fácil e brilhante que da profundidade.

A inconstância do sanguíneo é fruto da pouca duração de suas impressões. Em um instante passa do riso ao pranto, do gozo delirante a uma negra tristeza. Arrepende-se rápido e de verdade de seus pecados, mas retorna a eles na primeira ocasião que se lhe apresenta. Os sanguíneos são vítimas da impressão do momento. Sucumbem facilmente ante a tentação. São inimigos do sacrifício, da abnegação, do esforço duro e continuado. São preguiçosos nos estudos. Possuem grande dificuldade em refrear a vista, os ouvidos, a língua e guardar o silêncio. Distraem-se facilmente na oração. Os períodos de grande fervor são seguidos de outros de languidez e desalento.

A sensualidade, tendo em vista o que já foi exposto, encontra terreno fértil na natureza ardente do sanguíneo. Ele se deixa arrastar facilmente pelos prazeres sensuais da gula e da luxúria.

Reage rapidamente contra suas caídas, odeia-as com sinceridade, mas lhe falta energia e coragem para dominar a paixão quando volta a levantar a cabeça.

d) Educação do sanguíneo

A educação e controle de qualquer temperamento consistem em fomentar suas boas qualidades e em reprimir os defeitos. Por isso mesmo, o sanguíneo precisa utilizar sua exuberante vida afetiva em coisas nobres e elevadas. Se conseguir amar fortemente a Deus, será um santo de primeira categoria. Sanguíneos cem por cento foram o apóstolo São Pedro, Santo Agostinho, Santa Teresa e São Francisco Xavier.

Santo Agostinho, bispo e doutor da Igreja

Mas é mister que lute tenazmente contra seus defeitos. Precisa combater sua superficialidade adquirindo o hábito da reflexão e ponderação em tudo que fizer. Deve fazer-se conhecedor de todas as faces de um problema, prevenindo as dificuldades que possam surgir, dominando o otimismo demasiado confiante e irreflexivo.

Contra a inconstância tomará sérias medidas. Não bastam os propósitos e resoluções, que, apesar de sua sinceridade forte e boa fé, se desfarão na primeira ocasião que se lhe apresentar. É importante que ligue sua vontade a um plano de vida – convenientemente revisado e aprovado por seu diretor espiritual – em que tudo esteja assinalado, sem deixar nada ao arbítrio de sua vontade frouxa e fantasiosa. Precisa praticar séria e frequentemente o exame de consciência, aplicando-se fortes penitências pelas transgressões que sejam frutos de sua inconstância e volubilidade. Precisa se colocar nas mãos de um bom e minucioso diretor espiritual e obedecer-lhe em tudo. Na oração, precisa lutar contra sua tendência aos consolos sensíveis, perseverando-se nelas ainda que na aridez e apesar da falta de vontade.

A sensualidade deve ser combatida com uma vigilância constante e uma luta tenaz. Deve fugir, como se foge de uma peste, de todo tipo de ocasião perigosa, nas que se sucumbiria facilmente ao aliar sua sensualidade com sua inconstância. Deve ter particular cuidado na guarda  da vista, recordando-se de suas dolorosas experiências. Nele, mais que em ninguém, cumpre-se aquele dito: “o que os olhos não veem o coração não sente”. Deve guardar o recolhimento e praticar a mortificação dos sentidos externos e internos. Deve, por fim, pedir humildemente e constantemente a Deus o dom da perfeita pureza de alma e de corpo, que só do céu nos pode vir (Sab 8, 21).

2. Temperamento Melancólico

a) Características essenciais com relação aos estímulos

A característica do melancólico é débil e difícil de princípio, mas forte e profunda por repetidas impressões. Sua reação apresenta essas mesmas características. Quanto à duração, costuma ser longa. O melancólico não esquece facilmente.

b) Boas qualidades

Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face

Os melancólicos têm uma sensibilidade menos viva que a dos sanguíneos, porém, mais profunda. São naturalmente inclinados à reflexão, à solidão, à quietude, à piedade e à vida interior. Compadecem-se facilmente das misérias do próximo, são os benfeitores da humanidade, sabem levar a abnegação até o heroísmo, sobretudo ao lado dos enfermos. Sua inteligência costuma ser aguda e profunda, maturando suas ideias com a reflexão e a calma. É pensador e gosta do silêncio e da solidão. Pode ser um intelectual seco e egoísta, encerrando-se em sua torre de marfim, ou um contemplativo que se ocupe das coisas de Deus e de seu espírito. Sente atração pela arte e tem aptidão para as ciências. Seu coração é de uma grande riqueza sentimental. Quando ama, dificilmente se desprende de suas afeições, porque nele as impressões se muito se arraigam. Sofre com a frieza e com a ingratidão. A vontade segue as vicissitudes de suas forças físicas; é débil e quase nula quando o trabalho o esgota; forte e generosa quando desfruta de saúde ou quando um raio de alegria ilumina seu espírito. É sóbrio e não sente uma desordem passional, a que tanto são atormentados os sanguíneos. É o temperamento oposto ao sanguíneo, como o colérico é o oposto ao fleumático. Eram de temperamento melancólico o apóstolo são João, São Bernardo, São Luiz Gonzaga, Santa Teresa do Menino Jesus, Pascal.

c) Más qualidades

O lado desfavorável deste temperamento é a tendência exagerada para a tristeza e melancolia. Quando recebem uma forte impressão, ela lhes penetra profundamente na alma e lhes produz uma ferida “sangrante”. Não têm um coração “na mão” como o sanguíneo, mas muito no fundo, onde saboreia solitariamente a sua amargura. Sentem-se inclinados ao pessimismo, a ver sempre o lado difícil das coisas, a exagerar nas dificuldades. São retraídos e tímidos, propensos a desconfiar de suas próprias forças, ao desalento, à indecisão, aos escrúpulos e a certa espécie de misantropia. São irresolutos por medo de fracassar em suas iniciativas. O melancólico “nunca acaba de acabar”, como diria Santa Teresa; é o homem das oportunidades perdidas. Enquanto os demais estão já do outro lado do rio, ele está pensando se deve o atravessar. Sofrem muito, e sem querer – porque, no fundo, são bons – fazem sofrer os demais. Santa Tereza os julgava aptos para a vida religiosa, sobretudo quando a melancolia está muito arraigada.[4]Cf. Fundaciones c. 7. – Tenha-se em conta, entretanto, que a “melancolia” não se refere ao simples temperamento melancólico, mas aos que não são de um caráter voluntarioso e neurastênico.

d) Educação do melancólico

O educador precisa ter sempre em conta a forte inclinação do melancólico a concentrar-se em si mesmo; do contrário, pode não o compreender e trata-lo com grande injustiça e falta de cuidado, de atenção. O sanguíneo é franco e aberto nas confissões; o melancólico, em contrapartida, gostaria de desabafar por meio de um colóquio espiritual, entretanto, não pode; o colérico poderia se expressar, mas não quer; o fleumático, por fim, nem pode e nem quer o fazer. É preciso ter em conta tudo isso para que não se invista em procedimentos contraproducentes.

Ao melancólico é preciso infundir uma grande confiança em Deus e um sereno otimismo da vida. É preciso inspirá-lo a uma grande confiança em si mesmo, ou seja, confiança na aptidão de sua alma para as grandes coisas, para os grandes feitos. É preciso aproveitar suas inclinações à reflexão para fazê-lo compreender que não há motivo algum para ser susceptível, desconfiado e retraído. Se for preciso, submeta-o a um regime de descanso e sobrealimentação.[5]Santa Teresa curava a muitas monjas melancólicas proibindo-as de praticar longas orações, vigílias e jejuns e “fazendo-as se divertirem”. (cf. Moradas cuartas 3 12 y 13; Fundaciones 6, 14). É preciso, sobretudo, combater sua indecisão e covardia, fazendo-lhe tomar resoluções firmes e lançar-se a grandes tarefas com ânimo e otimismo.

3. O temperamento colérico

a) Características especiais com relação aos estímulos

O colérico reage rápida e violentamente. Reage no instante. Mas a impressão permanece na alma por muito tempo.

b) Boas qualidades

Atividade, entendimento aguçado, vontade forte, concentração, constância, magnanimidade, liberalidade: eis aqui as excelentes qualidades deste temperamento riquíssimo.

São Francisco de Sales

Os coléricos (ou biliosos) são grandes apaixonados e voluntariosos. Práticos, despojados. Não sendo tanto teóricos, são mais inclinados a fazer que pensar. O repouso e a inação causam repulsa à sua natureza. Sempre estão “acariciando” em seus espíritos algum projeto grande. Apenas se propõem a um determinado fim e já colocam as mãos à obra, sem se atemorizarem pelas dificuldades. Entre os coléricos abundam os chefes, os conquistadores, os grandes apóstolos. São homens de governo. Não são os que deixam para amanhã o que deveriam fazer hoje; ou melhor, fazem hoje o que deveriam fazer amanhã. Se os obstáculos e inconveniências surgem, esforçam-se por superá-los e vencê-los. Apesar de seu ímpeto irascível, quando conseguem reprimir esse ímpeto pela virtude, alcançam uma suavidade e doçura das melhores que se pode existir. Foram coléricos São Paulo Apóstolo, São Jerônimo, Santo Ignácio de Loyola e São Francisco de Sales.

c) Más qualidades

A tenacidade de seu caráter os faz propensos à dureza, obstinação, insensibilidade, ira e orgulho. Se alguém os resiste e contradiz, se tornam violentos e cruéis, a menos que a virtude cristã modere suas inclinações. Vencidos, guardam o ódio em seu coração até que soe a hora da vingança. Geralmente são ambiciosos e se inclinam sempre para o “mandar” e para a glória. Têm mais paciência que o sanguíneo, mas não conhece tanto a delicadeza de sentimento; compreendem menos a dor dos demais; têm em suas relações um trato com menor fineza. Suas paixões fortes e impetuosas afogam esses afetos doces e esses sacrifícios desinteressados que brotam espontaneamente de um coração sensível. Sua febre por atividade e seu ardente desejo de conseguir o que se propõe os fazem pisotear violentamente todos os que lhe atrasam, e por isso aparecem aos demais como pessoas egoístas e sem coração. Tratam os outros com tanta arrogância que podem chegar à crueldade. Todos devem se dobrar ante eles. O único direito que reconhecem é a satisfação de seus apetites e a realização de seus desígnios.

e) Educação do colérico

Tais homens seriam de um preço inestimável se soubessem dominar-se e governar suas energias. Com relativa facilidade chegariam aos mais altos cumes da perfeição cristã. Muitíssimos santos canonizados pela Igreja possuíam esse temperamento. Em suas mãos, as obras mais difíceis chegaram ao feliz término. Por isso, quando conseguem canalizar suas energias, são tenazes e perseverantes nos caminhos do bem, e não afrouxam em seu empenho até alcançar as alturas mais elevadas. É preciso os aconselhar a serem donos de si mesmos, que não façam nada precipitadamente, que desconfiem de seus primeiros movimentos. É preciso conduzi-los à verdadeira humildade de coração, a compadecer-se dos mais fracos, a não humilhar nem atropelar a ninguém, a não deixar sentir com violência sua própria superioridade e a tratar a todos com suavidade e doçura.

4. O temperamento fleumático

a) Características essenciais com relação ao estímulo

O fleumático ou não se exalta nunca ou o faz tão somente com pouca força. A reação é, do mesmo modo, fraca, se é que não a falte por completo. As impressões recebidas desaparecem rápido e não deixam pegadas em sua alma.

b) Boas qualidades

O fleumático trabalha devagar, mas assiduamente, contanto que não se exija dele um esforço intelectual demasiado. Não se irrita facilmente por insultos, fracassos e enfermidades. Permanece tranquilo, sossegado, discreto e judicioso. É sóbrio e tem um bom sentido prático da vida. Não conhece as paixões vivas do sanguíneo, nem as profundas do melancólico, tampouco as ardentes do colérico. Poderíamos dizer que carecem em absoluto de paixões. Sua linguagem é clara, ordenada, justa, positiva; mais que colorida, possui energia e atratividade. O trabalho científico, fruto de uma grande paciência e de investigações rigorosas, minuciosas, os atrai mais que grandes produções originais. O coração é bom, porém, parece frio. Sacrificar-se-á até o heroísmo se for preciso; mas lhe falta entusiasmo e espontaneidade, porque sua natureza é indolente e reservada. É prudente, sensato, reflexivo, trabalha com segurança, chega aos seus fins sem violência, porque afasta os obstáculos ao invés de rompê-los. Às vezes sua inteligência é muito clara. Fisicamente, o fleumático possui rosto amável, de corpo robusto, de andar lento e tranquilo. Santo Tomás de Aquino possuiu os melhores elementos desse temperamento, levando a cabo um trabalho colossal com serenidade e calma imperturbável.

c) Más qualidades

Sua calma e lentidão lhe fazem perder boas ocasiões, porque demora muito em colocar-se en marcha. Não se interessa muito pelo que passa fora de si. Vive para si mesmo, em uma espécie de concentração egoísta. Não serve para o mandar e para o governo. Não é atraído à penitência e à mortificação; se é religioso, não abusará dos cilícios. É dos quais Santa Teresa descreve com tanta graça: “as penitências que fazem estas almas são tão amenas quanto suas vidas… não tenham medo que se matem, porque sua razão está muito em si”.[6]Santa Teresa, Moradas terceras 2, 7 Nos casos mais agudos, convertem-se em homens átonos, dorminhocos e preguiçosos, completamente insensíveis às vozes de ordem superior que poderiam tirar-lhes da letargia.

Santo Tomás de Aquino

d) Educação do fleumático

Pode-se tirar muito proveito do fleumático se lhe inculcar convicções profundas e se lhe exigirem esforços metódicos e constantes até a perfeição. Devagar, chegará muito longe. Mas é preciso sacudir-lhe de sua letargia e indolência, empurrar-lhe até às alturas, acender em seu coração apático a frágua de um grande ideal. É preciso elevar-lhe ao pleno domínio de si mesmo, mas não como ao colérico – contendo-se e se moderando –, mas, ao contrário, fazendo que produza e empregando suas forças adormecidas.

III. Conclusões gerais sobre os temperamentos

Repetimos o que já falamos acima: nenhum desses temperamentos existe, na realidade, em estado “quimicamente puro”. O leitor que recorreu a essas páginas, não encontrou em nenhuma delas os traços completos de sua fisionomia particular. A realidade é mais complexa que todas as categorias especulativas. Com frequência na prática, encontramos indivíduos que reúnem elementos pertencentes a temperamentos bastante díspares. Ele explica, em boa parte, a diversidade de teorias e classificações entre os autores que se preocupam com essas coisas. Contudo, é indubitável que em cada indivíduo predominam certos traços temperamentais que permite os catalogar, com as devidas reservas e precauções, em algum dos quadros tradicionais. Por outro lado, sem negar a grande influência do temperamento fisiológico sobre o conjunto da psicologia humana, –  dadas  as  íntimas  relações  e  interdependências  exageradas,  sobretudo  no  que  diz  respeito à moralidade de nossos atos –, à maneira de certos racionalistas, que atribuem ao temperamento nativo a responsabilidade única de nossas desordens.

IV. O temperamento ideal

Se quisermos recorrer a uma sintética visão de conjunto das características do temperamento ideal, tomaríamos algo de cada um dos que acabamos de descrever. Ao sanguíneo, lhe pediríamos sua simpatia, seu grande coração e sua vivacidade; ao melancólico, a profundidade e delicadeza de sentimento; ao colérico, sua atividade inesgotável e sua tenacidade; ao fleumático, por fim, o domínio de si mesmo, a prudência e a perseverança.

A conquista pelo esforço sistemático e inteligente deste ideal humano que a natureza não costuma conceder a quase ninguém, se dá pela difícil tarefa do aperfeiçoamento e da melhora do próprio temperamento, unido ao rústico trabalho da formação do caráter, da qual falamos anteriormente. [7]Nota do Tradutor: no capítulo anterior do livro no qual se encontra este texto.


Notas

Notas
1Extraído do livro Teología de la Perfección Cristiana. Tradução livre por Josimar Rodrigues no ano de 2018.
2Los Cuatro Temperamentos – Conrado Hock (Buenos Aires – 1940);
3El Carácter – J. Guibert (Madrid – 1935);
4Cf. Fundaciones c. 7. – Tenha-se em conta, entretanto, que a “melancolia” não se refere ao simples temperamento melancólico, mas aos que não são de um caráter voluntarioso e neurastênico.
5Santa Teresa curava a muitas monjas melancólicas proibindo-as de praticar longas orações, vigílias e jejuns e “fazendo-as se divertirem”. (cf. Moradas cuartas 3 12 y 13; Fundaciones 6, 14).
6Santa Teresa, Moradas terceras 2, 7
7Nota do Tradutor: no capítulo anterior do livro no qual se encontra este texto.

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