Burrocracia: quando apenas as formas importam

postado em: Reflexões | 0

Trabalho na educação básica há cerca de 5 anos. Desde antes, ainda na graduação, enxergava algo estranho no trabalho docente. Era como uma excessiva formalidade, um enfadonho trabalho burocrático e sem finalidade. Essa burocracia emburrecedora acaba convencendo, de tanto ser repetida, que gastar todo o tempo para preencher planilhas e relatórios trata-se de educação.

E isso avança, paulatinamente, e toma todos os demais grupos — família, Igreja, trabalho etc. É aí que entendemos que a burrocracia, essa perversão moderna da burocracia, não é apenas um sistema administrativo falho — é um sintoma de um mal maior que corroeu nossa sociedade em suas bases mais fundamentais.

Na educação, esse fenômeno se manifesta de maneira particularmente dolorosa. Professores, que antes eram mestres do conhecimento e inspiradores de mentes jovens, foram reduzidos a meros preenchedores de formulários. Suas horas preciosas, que deveriam ser dedicadas ao preparo de boas aulas e à própria formação continuada, são engolidas por uma avalanche interminável de documentos, relatórios e planilhas que parecem se multiplicar como vírus digitais.

É doloroso, mas a burrocracia não se limita aos muros das escolas. Ela se infiltrou em cada aspecto de nossas vidas, transformando os homens, os “zoon politikon”, sujeitos dotados da palavra e capazes de se organizar por meio dela, em seres cada vez mais superficiais e vazios. As conversas, antes ricas em ideias e debates construtivos, degradaram-se a meros comentários sobre a última novela ou o mais recente escândalo envolvendo celebridades. O medo do confronto intelectual tornou-os especialistas em futilidades.

Com essa nem tão lenta marcha da “vaca para o brejo”, desenvolvemos uma alergia ao pensamento crítico. Qualquer questionamento é visto como afronta, qualquer divergência é interpretada como ataque pessoal. Criamos uma sociedade onde o consenso vazio é preferível ao debate enriquecedor, onde a mediocridade é celebrada e a excelência é vista com desconfiança.

A democracia, que deveria ser o reino do debate de ideias e da construção coletiva, transformou-se em um palco onde a burrice foi não apenas normalizada, mas institucionalizada. Criamos uma estrutura social onde ser superficial não é apenas aceitável — é incentivado. O pensamento profundo tornou-se um inconveniente, um obstáculo a ser evitado.

Nos ambientes profissionais, a situação não é diferente. Reuniões intermináveis discutem processos sobre processos, enquanto o trabalho real, aquele que realmente importa, fica esperando. Criamos uma cultura onde parecer ocupado é mais importante do que ser produtivo, onde a quantidade de horas gastas em uma tarefa importa mais que sua qualidade ou relevância. Quantas vezes não são realizadas reuniões para marcarmos outras reuniões, não é mesmo?

O mais alarmante é como naturalizamos esse esvaziamento. Aceitamos passivamente que nossas vidas sejam consumidas por rituais burocráticos sem sentido, que nosso tempo seja desperdiçado em atividades que não agregam valor real. Tornamo-nos cúmplices voluntários de nossa própria mediocrização.

É preciso uma revolução silenciosa. Uma revolução que comece nas salas de aula, onde professores possam voltar a ensinar com paixão. Que se estenda às conversas do dia a dia, resgatando a profundidade do diálogo verdadeiro. Que alcance nossos locais de trabalho, eliminando processos que existem apenas para justificar sua própria existência.

A burrocracia só será vencida quando reconhecermos que a verdadeira eficiência não está na multiplicação de controles, mas na simplificação inteligente. Quando entendermos que o pensamento crítico não é ameaça, mas salvação. Quando voltarmos a valorizar a essência sobre a forma, o conteúdo sobre a aparência, o ser sobre o parecer.

Não serão os formulários preenchidos que contarão nossa história, mas as vidas que tocamos, as ideias que defendemos e as mudanças que tivemos a coragem de fazer.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *